quinta-feira, 11 de abril de 2013

Visita de Estudo a S. Miguel de Seide – 1ª parte

 

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Homenagem a Camilo Castelo Branco assinalando os 150 anos da publicação da sua novela maior – Amor de Perdição – (Outubro , 1862) que, no dizer de Miguel de Unamuno, é “a novela de paixão amorosa mais intensa e profunda que se tenha escrito na Península”.

No início do corrente ano lectivo, decidimos, alunos e professora de Literatura Portuguesa, estudar esta obra de Camilo o que está, presentemente, a acontecer. Complementando o estudo na aula, propusemos à Srª Coordenadora da U.S.T. e à Comissão de Alunos, a realização de uma visita à Casa – Museu de Camilo, em S. Miguel de Seide (Famalicão) e ao Museu Romântico, no Porto.

Aceite a proposta, todos diligenciaram no sentido da efectivação da visita, que teve lugar na passada 4ª feira, dia 3 de Abril. Partimos às 7 horas da manhã, uma manhã muito chuvosa, mas que não abalou a nossa determinação de conviver e de saber mais, sempre mais. A U. Sénior de Tomar, de “sénior” só tem o nome, os seus alunos são activos, jovens de espírito e cheios de ânimo. A este propósito, já no autocarro, recordámos uma afirmação que nos pareceu oportuna partilhar “velho, velho é como quem diz/um velho só é velho quando/ deixa de ser aprendiz”.

No decorrer da viagem, interrompendo a conversa animada que se fazia ouvir e com o intuito de melhor conhecer Camilo, recordámos alguns dados da sua vida e obra.

  • Nasceu em 1825 em Lisboa, a 16 de Março. Alberto Pimentel diz: “Camilo foi o Lisboeta mais tripeiro que eu tenho conhecido”. Órfão de mãe com apenas 2 anos, Camilo confessou: “Eu nunca tive seio de mãe onde encostasse a cabeça. Eu nunca tive a quem dissesse: Ensina-me a orar”.

O pai faleceu quando Camilo tinha 10 anos.

  • 1861 – Escreve o “Romance de um Homem Rico” e “Amor de Perdição” no cárcere, acusado de crime de adultério, este último em apenas 15 dias.
  • 1890 – Em S. Miguel de Seide, em sua casa, a 1 de Junho, aos 65 anos, Camilo, de há muito deprimido pela cegueira que o impossibilitava de trabalhar, procura na morte o termo dos seus profundos sofrimentos físicos e morais. Suicida-se às 17h em ponto com um tiro de revólver no parietal direito.

Camilo está sepultado no jazigo do seu amigo Freitas Fortuna no cemitério da Lapa, no Porto.

Ao aproximarmo-nos de Coimbra interviemos para lembrar que Camilo, e também Simão, herói do “Amor de Perdição”, estudaram nesta cidade. São abundantes as referências a Coimbra em diferentes obras de Camilo: “Novelas do Minho” mais propriamente em “Maria Moisés”, na novela “Gracejos que matam”; em “O Comendador”; “A Neta do Arcediago”; “Retrato de Ricardina”; “Coisas Espantosas”; “Coração, Cabeça e Estômago”; “Amor de Salvação”; “Vingança”; “Onde está a Felicidade”; “Bom Jesus do Monte”. Deve dizer-se que umas vezes enaltece Coimbra outras não, talvez despeitado pelo sem êxito da sua passagem pela cidade procurando seguir estudos que iniciara no Porto. Sendo abundantes as referências a Coimbra elas são sempre ligeiras, como sabemos que acontece no “Amor de Perdição”. Em “O Bem e o Mal” todas as personagens acabam por convergir para Coimbra.

E lá seguíamos nós a caminho da casa em que Camilo escreveu, viveu 27 anos e lutou com o desamparo e quase com privações, lidando também com a loucura do seu filho Jorge.

Pareceu-nos oportuno despertar os amigos para o uso que Camilo fez da nossa querida Língua Portuguesa. Ele foi, como dizia Castilho – um “opulentador da Língua Portuguesa”. Na sua pena a Língua é prestigiada. Ninguém teve vocabulário mais abundante, nem frase mais viva. Ousámos ler um texto extraído dos “Serões de S. Miguel de Seide”.

“A ramada, suspensa em esteios de pedra, formava o enfolhado docel do tanque. Pendiam, já doirados, os enormes cachos de ferral. Alguma folha escarlate, outra amarelecida pelo queimar do Sol, realçavam, variegando as cores, a abóboda afestoada. Nos rebordos da bica rústica, por onde a água derivava, gorgolejando nas algas, verdejavam vegetações filamentosas, pendentes, como esmeraldas e miniaturas de relvedos, onde os insectos se poisavam num ruflar deleitoso de asas, no regalo da frescura, oscilando as antenas.

Duas galinhas, com suas ninhadas, esgaravatavam na leiva húmida, a cacarejarem, a cada grânulo ou insecto, que bicavam, e deixavam cair, e retomavam de novo, com umas negaças, para ensinar os pintainhos, que se disputavam a posse do cibato, em corrimaças impetuosas, azoratadas.

De vez em quando, à tona de água, rente com o combro de cantaria, afofado de musgos verdes, emergia a cabeça glauca de uma rã, que pinchava para a alfombra, coaxava o seu diálogo, interrompido com outra rã do beiral fronteiro, e ambas, a um tempo, mergulhavam de pincho, quando Cacilda batia a roupa na pedra esconsa do lavadoiro.

Estava o Sol a pino; mas pela densidade folhuda do parreiral, apenas coavam umas lucilações, a laminarem tremulamente a água ondulosa e escumada do sabão”.

Neste extracto a que podemos chamar aguarela animada da vida, de cores e imagens, encontrámos nós, os visitantes da Casa – Museu de Camilo, a motivação para a visita. Chegados a Seide lá encontrámos o palacete amarelo e o Centro de Estudos Camilianos, este último projectado por Siza Vieira, um edifício com muita luz, brancura e leveza que dispõe de um auditório polivalente, biblioteca e uma sala de exposições que, no momento, mostra uma magnífica exposição de Miguel Torga. Alguns de nós pudemos olhá-la, sim, ver é outra coisa…

Entrámos, debaixo de uma chuva insistente, no jardim da Casa – Museu e junto da escada de granito de acesso ao primeiro piso da casa, no sítio da “acácia do Jorge”, plantada esta por ele, outra acácia e, no outro lado, uma cameleira antiga que terá sido, quem sabe, confidente companheira de D. Ana e de Camilo. É grande a nossa emoção ao subir aquela escada de pedra que muitos terão palmilhado. Ao entrar deparamo-nos com bengalas e chapéus, dos que tornariam Camilo mais alto. Enfim, estávamos na intimidade do grande escritor. Vimos os seus aposentos e, com imaginação cheirámos o fumo dos charutos que o romancista e D. Ana fumavam e ofereciam aos convidados.

Fomos almoçar, por volta do meio dia. Boa refeição esta.

Pelas 14h eis-nos no autocarro a caminho do Porto. Lemos alguma quadras para animar, mas a nossa Coordenadora não as achou adequadas. Só “inbeija”… Não resistimos a deixar aqui uma delas e depois os leitores dirão de sua justiça.

“Não sei que me quer o Porto

Que tanto chora por mim….

Eu hei-de ir morar pra o Porto

Pra rua do Bonjardim”

Antes de chegarmos ao Porto ainda nos permitimos ler o soneto de Camilo – Os meus Amigos - a nossa última homenagem do dia.

 

Amigos cento e déz, ou talvez mais,

Eu já contei. Vaidades que eu sentia!

Supuz que sôbre a terra não havia

Mais ditôso mortal entre os mortais!

 

Amigos cento e déz tam serviçais,

Tam zelosos das leis da cortesia,

Que, já farto de os vêr, me escapulia

Às suas curvaturas vertebrais.

 

Um dia adöeci profundamente:

Ceguei. Dos cento e déz houve um somente

Que não desfez os laços quasi rôtos;

 

- Que vamos nós (diziam) lá fazer?

Se êle cego, não nos pode vêr!

- Que cento e nove impávidos marôtos!

 

Fizemos seguir a leitura deste soneto, de Camilo, da do poema de Alexandre O`Neill “Amigo”

 

Mal nos conhecemos

Inaugurámos a palavra amigo!

“Amigo” é um sorriso

De boca em boca,

Um olhar bem limpo,

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.

Um coração pronto a pulsar

Na nossa mão!

 

“Amigo” (recordam-se, vocês aí,

Escrupulosos detritos?)

“Amigo” é o contrário de inimigo!

“Amigo” é o erro corrigido

Não o erro perseguido, explorado,

É a verdade partilhada, praticada.

 

“Amigo” é a solidão derrotada!

“Amigo” é uma grande tarefa,

Um trabalho sem fim,

Um espaço se fim,

Um espaço útil, um tempo fértil,

“Amigo” vai ser, é já uma grande festa!

 

Uma beleza!

E estávamos chegados (com sol) ao Museu Romântico que gostámos muito de ver. Cada espaço do Museu Romântico foi montado com objectos da época desde as pinturas, aos tapetes, loiças, pratas e mobiliário.

Não houve tempo para apreciar a frondosa vegetação que a Quinta da Macieirinha, onde se encontra o Museu, nos oferece porque era tempo de regressar a Tomar.

Depois de uma curta paragem na auto-estrada, na Mealhada, chegámos à nossa cidade cerca das 20h muito satisfeitos e ansiosos pela próxima visita de estudo.

Fernanda Moucho

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